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Na Origem da Pretensão Cristã

Na Origem da Pretensão Cristã


A trilogia proposta por Luigi Giussani, chamada por ele de PerCurso, resume o essencial do seu pensamento como fundamento das suas convicções mais profundas sobre o ser humano, suas buscas e inquietações e sobre Deus que se mostra ao homem como Mistério de Comunhão e de Amor. Ao direcionar o primeiro volume para refletir sobre o “homo religiosus” , o segundo para Jesus Cristo, como Fato fundante da profissão de fé cristã e o terceiro sobre a Igreja, Giussani sugere uma sua teologia fundamental da fé. Uma herança espiritual extremamente preciosa para os que querem dar razões à sua esperança ( 1 Pd 3,15).

A descrição da fascinante experiência humana a respeito de Deus no decorrer da história presente nas grandes culturas da humanidade desde os seus primórdios, denominada por Giussani de “ Senso Religioso”, ajuda-nos a compreender a Revelação Cristã como imperativo antropológico e não como um constitutivo autoritário tendo como propósito a dominação do homem ou a sua mera submissão a uma instância autoritária que vem de fora e lhe é estranha. Ao contrário, como nos garante Karl Rahner, a Revelação responde a uma necessidade profunda do ser humano que ao buscar desesperadamente o sentido da vida a sua auto-transcendência, em outras palavras, o rosto de Deus, muitas vezes deturpado pelas suas próprias limitações de criatura, vê-se agraciado com o próprio “Deus absconditus” acontecendo na sua história humana como “ Deus revelatus” . Neste sentido, o Criador que já imprimiu no homem desde a criação o desejo irresistível de entrar em comunhão com Ele vem em socorro do próprio homem, facilitando e dando total segurança ao processo, pela Encarnação do Verbo na nossa natureza, na nossa história. 

A poesia de T.S. Eliot em “ Coros de “” A Rocha”” teologiza com aguda sensibilidade e beleza poética este mistério: E ADVEIO ENTÃO, NUM INSTANTE PREDETERMINADO, UM MOMENTO NO TEMPO E DO TEMPO. UM MOMENTO NÃO FORA DO TEMPO MAS NO TEMPO, NAQUILO QUE CHAMAMOS HISTÓRIA: SECCIONANDO, DIVIDINDO A ESFERA DO TEMPO, UM MOMENTO NO TEMPO, MAS NÃO COMO UM MOMENTO DO TEMPO, UM MOMENTO NO TEMPO, MAS O TEMPO FOI FEITO ATRAVÉS DESSE MOMENTO, POIS SEM SIGNIFICADO NÃO HÁ TEMPO, E AQUELE MOMENTO DO TEMPO LHE DEU O SENTIDO. PARECEU ENTÃO QUE OS HOMENS DEVIAM SEGUIR DE LUZ EM LUZ, NA LUZ DO VERBO, ATRAVÉS DO SACRIFÍCIO E DA PAIXÃO SALVOS A DESPEITO DA NEGATIVIDADE QUE O SER DE CADA QUAL CONTINHA: BESTIAIS COMO SEMPRE, CARNAIS, EGOÍSTAS, INTERESSEIROS E OBTUSOS COMO SEMPRE HAVIAM SIDO E AINDA ASSIM LUTANDO, SEMPRE REAFIRMANDO E RECOMEÇAMDO A MARCHA NUM CAMINHO QUE FORA ILUMINADO PELA LUZ; TANTAS VERES PARANDO, PERDENDO TEMPO, DESVIANDO-SE, ATRASANDO-SE E VOLTANDO, MAS JAMAIS SEGUINDO OUTRO CAMINHO. 

O itinerário religioso presente em toda a história humana é impressionante pela sua permanência e pela sua constância. Mesmo no mundo contemporâneo marcado pelo secularismo de uma cultura descartável e hedonista que erige o mundo e o tempo presente como única fonte de sentido que acaba se tornando a cultura do non-sense, a humanidade, no entanto, prossegue insatisfeita e sequiosa de auto-transcendência. Fiódor Dostoievski descreve maravilhosamente o fenômeno. “ Um verdadeiro realista, se é incrédulo, encontra sempre em si a força e a faculdade de não crer mesmo no milagre e, se este último se apresenta como um fato incontestável, duvidará de seus sentidos, ao invés de admitir o fato. Se o admitir, será como um fato natural, mas desconhecido dele até então. No realista a fé não nasce do milagre mas o milagre da fé. Se o realista adquire a fé, deve necessariamente, em virtude de seu realismo, admitir também o milagre. O apóstolo Tomé declarou que não acreditaria enquanto não visse; em seguida, diz: “Meu Senhor e meu Deus”! Fora o milagre que o obrigara a crer? Muito provavelmente não, mas ele acreditava unicamente porque desejava crer; talvez tivesse já a fé inteira nas dobras ocultas de seu coração, mesmo quando declarava: “ Só acreditarei depois que tiver visto”.
Assim é o homem desde sempre. Deseja ansiosamente crer mas tem medo de se render a esta fé. À primeira oportunidade, um simples pretexto faz aflorar o desejo reprimido que brota de maneira até por vezes anárquica. Muitos irmãos nossos que se dizem descrentes já guardam nas íntimas dobras do sua existência, no dizer de Dostoiesvki, a fé inteira. Ela só espera uma chance de se manifestar. E esta chance é dada historicamente como um fato inevitável no “Verbo que se fez carne e habitou entre nós” ( Jo 1,14). 

A busca do homem por Deus é insaciável e obscura. Deixa sempre um profundo sabor de impotência, de insegurança e de incerteza. Afinal Deus é absolutamente transcendente ao homem. É vã toda tentativa de capturá-lo. Quando o homem pensa que o deteve em seus braços é o nada que ele abraça. Giussani reporta-nos a Francisco de Assis no monte Alverne, ajoelhado com o rosto por terra enquanto repetia “ Quem és tu? E Quem sou eu?” estabelecendo assim a diferença abissal entre os dois pólos. O mesmo estupor do profeta Isaías que, diante da imensa majestade de Deus, exclamava: “ Ai de mim! Estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de lábios impuros, e meus olhos viram o Rei, o Senhor Todo-Poderoso ( Is 6,5). E Pedro, segundo o evangelista Lucas, igualmente por ocasião de sua vocação como o profeta se atemoriza diante da majestade do Deus encarnado, o doce Jesus, ao revelar sua potência divina, e exclama: “ Senhor, afasta-te de mim que sou um homem pecador” (Lc 5, 8). A Revelação inicialmente e de modo especial no AT evidencia este caráter de total distanciamento de Deus do homem e do mundo expresso pelo termo “ santidade” . No entanto a esta radical transcendência deve-se acrescentar na revelação neo-testamentária a radicalidade do amor de Deus em se fazendo imanente ao mundo e aos homens. Desta forma se revela plenamente a sua economia salvífica ao introduzir o mundo na Família Trinitária. A mesma personalidade de Deus que o qualifica como o radicalmente diferente pela sua liberdade, possibilita que ele possa dispor livremente de si mesmo em favor do homem. Transcendência, personalidade e liberdade absolutas “ constituem o mysterium tremendum das Escrituras Sagradas, “ que dá ao mysterium fascinosum da condescendência para com entes criados o seu relevo inaudito e o seu brilho indizivelmente consolador”. 

Deus responde à busca do homem e entra na história, ou melhor dizendo, faz-se história, se faz tempo, se faz acontecimento. Por isto o fato e a história se tornam o critério da Fé. A busca por Deus se converte em um reconhecimento. Não basta ao homem ser simplesmente religioso. É preciso que ele creia que na simplicidade e na fragilidade do mundo e da história onde Deus vem até ele. Torna-se, de certo modo desnecessário se debater na angustiosa busca, na desesperada procura sem atingir o alvo. É preciso re-orientar a busca para o encontro. É preciso ver Deus no homem Jesus de Nazaré. Se a busca tem os seus percalços e frustrações, nela o homem se sente confortável por ser ele o controlador do processo. Se o encontro tem o maravilhamento da sede saciada, da facilidade do dom dado, de graça, tem o obstáculo do escândalo da fragilidade de Deus. Como bem filosofa o pagão Celso ( Séc II) argumentando contra a humanidade do Deus cristão: “ Que, se alguns entre os cristãos ou judeus sustentam que um Deus ou um Filho de Deus desceu ou deve descer à terra para julgar as coisas terrenas, essa é, entre as suas pretensões, a mais vergonhosa, e não é necessário um longo discurso para rejeitá-la.Que sentido pode ter para Deus uma viagem dessas?” Agradecemos a este pagão o testemunho eloqüente da fé dos cristãos desde o início da peregrinação eclesial. Mesmo em meio aos eloqüentes arrazoados contrários à humanidade de Deus em Cristo, os cristãos continuaram a transmitir de forma inabalável o acontecimento que lhes iluminou a vida. Por isto Mircea Eliade afirma que o cristianismo, em especial para os não cristãos de espírito aberto, é uma inovação diante da religiosidade em geral. O que mais impressiona é a valorização do Tempo, a salvação do tempo e da História. “ O Tempo torna-se plenitude por causa da Encarnação do Verbo Divino, e esse fato transfigura a história. Como poderia ser vão e vazio o Tempo que viu Jesus nascer, sofrer, morrer e ressuscitar? Como poderia ser irreversível e repetível ad infinitum?” 

O Eterno que irrompe no Tempo é a possibilidade real de uma teologia da história. Já no começo do cristianismo Agostinho faz teologia da história ao compará-la a um gigantesco drama, que toma início no céu e só chegará ao seu termo no final dos tempos. Embora encenado pelos homens, este drama tem por autor o próprio Deus, o artista eterno. Por isso o universo é belo, não apenas no seu ser como também no seu devir e na sua evolução. É verdade que nem sempre logramos perceber a beleza desta sucessão, por estarmos tão envolvidos nos acontecimentos de cada dia, de cada hora. E isto nos impede a visão de conjunto. Mas, se atendermos á Providência do Criador, tal como nos é revelada na Escritura, não deixaremos de perceber também a verdadeira beleza do encadeamento dos fatos particulares. Renunciando ao aspecto metafísico de uma filosofia religiosa da história, o teólogo contemporâneo, Bruno Forte, identifica a especificidade da fé cristã e a sua contribuição irrenunciável à cultura humana e às nobres e milenares tradições espirituais da humanidade, como sendo a sua radical pertinência histórica. Seu pensamento é muito semelhante ao de Luigi Giussani quando este aponta a humanidade de Deus como critério e método do encontro do homem com Deus. O lugar teológico deste encontro é o mundo e a história. A objetividade que fornece credibilidade é o fato concreto. Diante deste fato somente restam duas alternativas: acolhê-lo na significação proposta e com isto re-significar todo o horizonte da própria vida ou rejeitá-lo e com isto renunciar a um encontro iluminador do sentido da vida e da história. É isto e não mais do que isto a interpretação do texto de Jo 3,18. O evangelista deixa claro que não é Jesus quem julga, mas o fato em si já é judicatório. E a condenação não significa necessariamente uma alusão à condenação eterna, mas a uma condenação às trevas da descrença que prende o homem nas amarras da contingência e da culpa. Grúchenhka, personagem de “ Os irmãos Karamázovi” ilustra bem o significado deste encontro, no contexto do romance em outro nível, mas certamente o objetivo é o encontro no tempo de cada ser humano com o Mistério profundo do amor de Deus manifestado em Cristo. “ Que palavras tão importantes são estas?” “ Não sei, nada de extraordinário, mas ele revirou-me o coração... O primeiro, o único que teve piedade de mim. Por que não vieste mais cedo Querubim? ....Toda a minha vida esperei alguém como tu, que me traria o perdão”. Esta mulher encontra no personagem Aliocha o sentido libertador de sua vida. O mesmo diálogo poderia se dar entre Jesus e a samaritana, entre ele e a mulher a ser apedrejada, entre Jesus e os cobradores de impostos como Mateus e Zaqueu, enfim entre Jesus e cada ser humano entre os quais você e eu nos incluímos. O encantamento proveniente deste encontro dado no tempo e em um lugar definidos como enfatiza João ao insistir nos pormenores temporais e espaciais ( “ Eram quase quatro horas da tarde” Jo 1, 35-51) é denominado por Giussani de memória a ser preservada e uma imperiosa necessidade de anúncio a ser comunicado a todos que querem partilhar da mesma experiência. É exatamente isto que a primeira carta de João expressa quando afirma : “ O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam .... nós também vos anunciamos” ( 1Jo 1,1-4).

O contato e o encontro com a humanidade de Jesus por si só revelam a excepcionalidade e a incrível qualidade humana deste homem. Não é suficiente e certamente não contribuem para explicá-lo sua origem familiar, sua formação, seu lugar social. Aliás tudo isto conspira contra como vemos em Mt 6,2 e paralelos. Por isto brota uma pergunta sempre recorrente no NT: “ Quem afinal é este homem?”. Pergunta que vem dos amigos e dos inimigos intrigados. Jesus não se identifica de pronto. Ele vai sugerindo e aos poucos vai se tornando cada vez mais clara a natureza própria de sua identidade e de sua missão. É uma revelação paciente e extremamente lenta, sem choques, sem pressa, desaçodadamente. Uma revelação precipitada pode por tudo a perder. É preciso criar confiança a tal ponto de mesmo quando, ainda que lenta, se causar escândalo, os mais íntimos permanecem fiéis, não porque também não se escandalizassem, mas porque o amor a intimidade já se estabeleceram com vigor tal que não é mais possível renunciá-los. “ A quem iremos, Senhor, pois só Tu tens palavras de vida eterna” ( Jo 6,68). Mas as exigências não se reduzem à capacidade de superar o escândalo de crer nele. Elas vão muito além. Há que renunciar a si mesmo e fazer a vida girar toda em torno dele: por causa de mim. Para seguir exigências tão sérias é necessário estar comprometido profundamente com este homem que indiretamente vai se revelando como a concretização do Absoluto no provisório, do Infinito no tempo. Jesus é Deus e o revela quando se identifica com a origem mesma da lei. Em outras palavras, ele está, de certa forma, acima da lei. Quando ele perdoa os pecados em seu próprio nome, e quando assume a fonte do discernimento que produz o bem. As explicitações cada vez mais claras que Jesus dá sobre a sua divindade são magistralmente explicadas por Hans Urs Von Balthazar em forma de aporia. Ele o faz por obediência. Assim nos diz este autor citado por Luigi Giussani: “ Esse homem age por obediência; no momento em que se atribui qualidades divinas, é obediente. Isso só é possível se esse homem que obedece quando se “faz” Deus, é um Deus que obedece quando se faz homem. Pois, continua o brilhante raciocínio de Von Balthazar, a coisa mais segura com efeito que se pode dizer do homem é que ele não é Deus”. Esta é a perene e impressionante pretensão cristã. O tempo rasgado pelo eterno, o mundo projetado para dentro de Deus porque Deus se fez mundo. É basilar a frase de Giussani: “ O problema cristão resolve-se nos mesmos termos em que se coloca: ou estamos diante de uma loucura, ou aquele homem que diz ser Deus é Deus”.

 

Padre José Cândido da Silva

Pároco da Igreja São Sebastião - Barro Preto


 

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