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Corpo e Sangue de Cristo C
“Isto é o meu corpo que é dado por vós.” Oferecendo na cruz o seu Corpo e o seu Sangue, Jesus nos concede que nos tornemos, nós mesmos, uma célula do seu corpo, entregue por nós, e do seu sangue, por nós derramado.
1ª leitura: "Melquisedeque trouxe pão e vinho." (Gênesis 14,18-20)
Salmo: Sl 109(110) - R/ Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque!
2ª leitura: "Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor." (1 Coríntios 11, 23-26)
Evangelho: "Todos comeram e ficaram satisfeitos." (Lucas 9,11-17)
O escândalo da cruz
Deus moído, como se faz com o trigo; Deus esmagado e espremido, como se faz com a uva... Imagens terríveis estas, até mesmo escandalosas, pensando bem. Muita gente, cristãos inclusive, não suporta os crucifixos ou outras evocações do calvário. Mas isto não impede que, ao preço de uma emoção passageira, assistam reportagens televisivas mostrando cadáveres no Iraque, na Síria, no Sudão... Que Deus tenha chegado a este ponto, tendo sido arrolado entre os derrotados e os massacrados todos do mundo, é este o escândalo da cruz! Ali pregado, Ele representa e reúne em Si mesmo essas vítimas todas, para fazê-las viver da sua vida. A morte é impotente diante de um amor como este. Deus se dá em alimento porque, das mais diversas formas, nos devoramos mutuamente: "Quando comem o seu pão, a meu povo é que devoram" (Salmo 14,4). A cruz sozinha, isolada do seu contexto, pode com certeza nos atemorizar. Mas a última Ceia, que representamos através da Eucaristia, adverte-nos que o Corpo de Cristo assim oferecido torna-se alimento vital. Jesus, por antecipação, entregou o que lhe queriam tirar: "Este é o meu corpo". Desta forma, a vontade de matar foi pega de surpresa. Deus se submete ao desejo perverso do homem. Não para aprová-lo, mas para torná-lo inoperante. A morte, toda morte, encontra-se assim sujeita a produzir o seu contrário, a vida.
Pão e vinho
O pão representa a nossa relação necessária com a natureza, que alimenta a nossa vida. Natureza, aliás, considerada como uma realidade a ser dominada, a ser transformada. E tudo isso exprime o dom que Deus nos fez de Si mesmo, através da Criação. O vinho é algo além do necessário: está ligado à alegria das núpcias. Revela o excesso do dom de Deus. Este "supérfluo" mostra que Deus nos preenche para além das nossas necessidades. Há quem veja no cálice eucarístico, com o apoio de alguns textos bíblicos, uma figura do sofrimento humano. Prefiro a primeira interpretação. De todo modo, o pão e o vinho, sinais sensíveis da nossa existência "terrestre" e da nossa alegria de viver, veem a sua significação alcançar um grau inédito na Eucaristia. Põem-nos na presença do dom que Cristo nos fez da sua carne e do seu sangue, verdadeiro pão e verdadeira bebida (ver João 6,48-58). Podemos dizer com certeza que o pão se torna o corpo de Cristo (fórmula habitual), mas, lendo João 6, podemos dizer também que o corpo de Cristo se torna pão. Santo Irineu vai mais longe: "(Cristo) confirmou que o cálice que vem da Criação era o seu sangue (...), que o pão que vem da Criação era o seu corpo, pelo qual Ele fortifica o nosso corpo." Desde que o homem vive desta Criação - ele faz parte dela; portanto, desde sempre -, do próprio Deus é que ele vive. A Eucaristia nos revela isto. Longe, portanto, do esquema das fórmulas mágicas.
A morte e a vida
Estamos sim diante do mistério de Amor que conduz o universo inteiro à sua perfeição. Vou tentar explicar, ainda que de forma um pouco esquemática: tudo o que existe é impulsionado por uma potência de vida que é a sua fonte. Potência de pensamento, posto que pensamos, potência de vontade, posto que desejamos, potência de amor, posto que amamos. E tudo isso é o ato criador que se desdobra numa história da qual todos somos parte interessada. Quando o Influxo Criador depara-se em nós com uma recusa, ele é neutralizado. A Criação torna-se Paixão e o Criador, o Crucificado. Temos aí, então, uma inversão inédita: a carne moída do Cristo torna-se o pão para a nossa vida; e o sangue derramado torna-se bebida para a nossa alegria. O assassinato não foi por nenhuma razão de amor, mas, tendo havido morte, faz-se necessário o renascimento. Para uma vida à prova da morte. O processo criador atravessa as nossas condutas assassinas e, de repente, "mudamos de campo": deixamos o campo dos que só oferecem a morte e passamos para o lado d’Aquele que deu a sua vida. Participando da Eucaristia, queremos significar que fazemos nossa a atitude fundamental de Cristo que, "sendo de condição divina, não usou de seu direito de "ser tratado como um Deus", mas aniquilou-se a si mesmo..." Para se dar em alimento. Daqui em diante, o nosso projeto só pode ser o mesmo que o d’Ele: "fazer viver". E vivermos nós mesmos em conformidade.
Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)