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Tudo é vaidade?
A liturgia da Palavra deste domingo se abre com certo ar de desilusão: "Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade!" Seria esta, então, a mensagem de Deus para hoje? Devemos compreender que o Espírito sopra através destas palavras. "Passa a figura deste mundo", dirá Paulo, mas anunciando-nos, como consta na oração de abertura do dia, a esperança de uma "criação renovada".
1ª leitura: «Que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações?» (Eclesiastes 1,2;2,21-23).
Salmo: 89(90) - R/ Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós.
2ª leitura: «Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo» (Colossenses 3,1-5.9-11).
Evangelho: «Para quem ficará o que acumulaste?» (Lucas 12,13-21).
O sentido da vida
Muito se falou, no passado recente, sobre a "questão do sentido"; até se chegar à exaustão. Para além de qualquer modismo, busquemos ver o que se esconde por sob as palavras. O contrário de sentido é o sem-sentido, o absurdo: exatamente o que o Eclesiastes chama de "vaidade" (1ª leitura), palavra que significa vazio, ausência. Já, pelo contrário, tem sentido tudo o que fala ao espírito, que traz luz e inteligência. Quando dizemos, no entanto, que a vida tem sentido, queremos significar algo mais: nossa existência é uma estrada, que parte de um lugar e nos conduz a um final. "Fim" este que não podemos conhecer totalmente, pois ainda não chegamos lá. Sendo preciso, trata-se de uma visão de fé: para muitos, a vida não vai a lugar nenhum, a não ser à morte. Assim, essa atividade toda, cheia de sofrimento e ansiedade de que nos fala a primeira leitura, não é outra coisa senão, como dizia Sartre, um "sursis à morte". Então, enquanto se espera este "nada", por que não se entregar a este "apetite de fruição” de que fala São Paulo (2ª leitura)? Faça tudo o que te agradar, colha tudo o que hoje a vida te propuser. Ceda às tuas pulsões momentâneas; e, sobretudo, não pense nos incidentes possíveis: "Comamos e bebamos porque amanhã morreremos" (1 Coríntios 15,32, citação de Isaías 22,13). Nos livros Sapienciais, esta é a filosofia dos "insensatos", dos que são privados de sentido. E é uma filosofia largamente adotada em nossa época, sob a aparência da espontaneidade, da sinceridade, etc.
A sede de segurança
Esta introdução, sobre o sentido da vida, pode dar à leitura do evangelho um pano de fundo suscetível de libertá-la de uma interpretação moralista em excesso. A questão é saber de fato o que buscamos na vida; para onde vai o nosso desejo profundo, se caminhamos em direção a algo ou vamos simplesmente para lugar nenhum. O resto, decisões particulares, comportamentos, hábitos adquiridos, vai depender da resposta que damos a esta questão. O que queremos? Tendo recebido o Evangelho, o que estamos autorizados a querer, a desejar e a esperar? Fora a fuga momentânea, afixada no primeiro parágrafo, e que Pascal chama de "divertimento", um dos problemas maiores dos homens é o da segurança. Segurança em todos os sentidos: é preciso que eu seja seguro de mim mesmo, do meu valor. O que será confirmado pelo meu sucesso e pelo olhar de admiração ou inveja com que os outros me olham. É um engodo, pois, nestes domínios, nada estará jamais solidamente adquirido. Vamos precisar sempre, ininterruptamente, de novas "provas", de mais riquezas e mais consideração. Mas, principalmente, é ilusória a segurança oferecida pela conta bancária, pelo imóvel ou pelo prestígio, porque nada disso pode nos fazer escapar da morte. "Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida", e nada do que tens acumulado poderá ser dado em troca. Toda a segurança é falsa, se não garantir a própria vida.
A amizade vale mais do que as riquezas
"Eu sou o caminho, a verdade e a vida", diz Jesus (João 14,6). A via, o caminho com um sentido para a caminhada. A verdade, ou seja, a solidez e a fidelidade sobre as quais poder se apoiar sem temer ser abandonado no momento decisivo, quando os "valores" acumulados nada mais poderão fazer a nosso favor. E a vida, que é justamente esta, que as riquezas adquiridas não podem garantir. Podemos perguntar por que Lucas pôs em sequência o episódio da herança a ser partilhada e a Parábola do homem que põe a sua segurança em suas “boas reservas”. A conclusão, com certeza, é a mesma para os dois textos: a vida não depende do ter, mas há nuanças. No primeiro episódio, parece que seguir o Cristo na via por ele aberta, com a segurança dada pela fé e a fidelidade de Deus, rumo a uma vida indestrutível, não nos habilita nem a decidir as partilhas necessárias nem para a gestão da política, do econômico e do social. Mesmo se devemos promover a caridade e a justiça em todos os domínios, já superamos a ideologia dum Estado cristão: "Quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?", diz Jesus. Já, quanto à Parábola, ela opõe “juntar tesouros para si mesmo” a “ser rico diante de Deus”. Antes de ver aí uma piedosa, e trivial, oposição entre riquezas materiais e riquezas espirituais, com melhor grado, interpreto estas linhas à luz de Lucas 16,9: "Fazei amigos com o dinheiro da iniquidade, a fim de que no dia (...) estes vos recebam nas tendas eternas”.
Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)
Desmascarar a insensatez
O protagonista da pequena parábola do «rico insensato» é um proprietário de terras como aqueles que Jesus conheceu na Galileia. Homens poderosos que exploravam sem piedade os camponeses, pensando penas em aumentar o seu bem-estar. As pessoas temiam-nosa e invejavam-lhes: sem dúvida eram os mais afortunados. Para Jesus, são os mais insensatos.
Surpreendido por uma colheita que ultrapassa as suas expectativas, o rico proprietário vê-se obrigado a refletir: “O que vou fazer?”. Fala de si para si mesmo. No seu horizonte não aparece ninguém mais. Não parece ter esposa, filhos, amigos nem vizinhos. Não pensa nos camponeses que trabalham as suas terras. Só se preocupa com seu bem-estar e sua riqueza: a minha colheita, os meus celeiros, os meus bens, a minha vida...
O rico não se dá conta de que vive encerrado em si mesmo, prisioneiro de uma lógica que o desumaniza esvaziando-o de toda a dignidade. Só vive para acumular, armazenar e aumentar o seu bem-estar material: “Vou construir celeiros maiores, e neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens”. “Então poderei dizer a mim mesmo: meu caro, você possui um bom estoque, uma boa reserva para muitos anos; descansa, como e beba, alegre-se”.
De repente, de forma inesperada, Jesus faz Deus intervir. O seu grito interrompe os sonhos e ilusões do rico: «Louco! Neste mesma noite vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem será?». Esta é a sentença de Deus: a vida deste rico é um fracasso e uma insensatez.
Aumenta os seus celeiros, mas não sabe engrandecer o horizonte da sua vida. Acrescenta a sua riqueza, mas despreza e empobrece a sua vida. Acumula bens, mas não conhece a amizade, o amor generoso, a alegria nem a solidariedade. Não sabe dar nem partilhar, só acumular. Que há de humano nesta vida?
A crise econômica que estamos sofrendo é uma «crise de ambição»: os países ricos, os grandes bancos, os poderosos da terra... Escolhemos viver acima das nossas possibilidades, sonhando com acumular bem-estar sem limite algum e esquecendo cada vez mais os que se afundam na pobreza e na fome. Mas, de repente, a nossa segurança veio abaixo.
Esta crise não é uma a mais. É um «sinal dos tempos» que temos de ler à luz do evangelho. Não é difícil escutar a voz de Deus no fundo das nossas consciências: «Já basta de tanta insensatez e tanta falta de solidariedade cruel». Nunca superaremos as nossas crises econômicas sem lutar por uma mudança profunda do nosso estilo de vida: temos que viver de forma mais austera; temos de partilhar mais o nosso bem-estar.
José Antonio Pagola