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“Quem se humilha será elevado”
Quem faz parte do Reino de Deus? Esta questão está posta desde o 28º Domingo do Tempo Comum: faz parte do Reino de Deus quem sabe dar graças (28º Domingo), quem reza sem descanso (29º Domingo) e (hoje) quem tem um coração que não busca salvar-se a si mesmo, mas deixa-se ser salvo por Deus.
1ª leitura: As súplicas dos pobres “subirão até as nuvens” (Eclesiástico 35,15-17.20-22).
Salmo: 33(34) - R/ O pobre clama a Deus e Ele escuta: o Senhor liberta a vida dos seus servos.
2ª leitura: “Está reservada para mim a coroa da justiça” (2 Timóteo 4,6-8.16-18).
Evangelho: O publicano “voltou para casa justificado, o outro (o fariseu) não” (Lucas 18,9-14).
Só Deus é "justo"
Não é dito que o fariseu da parábola estivesse mentindo ou incorresse em algum engano, ao enumerar os seus atos de justiça. O mesmo pode ser dito do publicano, um coletor de impostos para Roma. Tendo de levantar uma soma fixa, muitos publicanos não hesitavam em exigir mais, para proveito próprio. Mesmo se este publicano se abstivesse de tal prática, reconhecia-se, contudo, «pecador». Como podemos imaginar possuir algum título pelo qual merecêssemos o amor de Deus, se Deus mesmo é quem está na origem de tudo o que, em nós, pode haver de bom? À primeira vista, o fariseu não se reconhece como pecador, pois agradece a Deus pelo bem que faz. Considera-se, no entanto, autor deste bem, o que equivale a tomar o lugar de Deus, e se acha superior aos «outros homens», em particular, ao publicano. Faz o inventário da sua observância da Lei e de suas práticas de piedade. Por isso a sua justiça torna-se injustiça; injustiça para com Deus. Tem alguma razão em agradecer, mas erra quando se compara com os outros: é como se acusasse Deus de criá-los piores que ele, fariseu. Reconheçamos, nesta passagem, que o que somos é em parte resultado do meio em que nascemos e das circunstâncias nas quais vivemos. Resultado, portanto, deste universo que, tendo sido confiado ao homem, é obra do próprio homem. O fariseu, então, deveria ter dito: «Eu não seria o que sou, nem como sou, se tivesse nascido em outro lugar.» O que, portanto, é um privilégio, mas ele atribui a si próprio o mérito.
O publicano
Eis aí um homem que não tem nada para agradar. Teve sorte, no fundo, porque a vida que leva o conduz a reconhecer que, se para ele houver «salvação», esta salvação vem de Deus. Como se reconhece vazio, desprovido de qualquer valor, vai se juntar ao vazio inicial, que é o espaço no qual Deus pode criar. É pura aspiração a ser. Ora, o pecado é, com efeito, a recusa a ser imagem e semelhança de Deus: é a escolha, portanto, da inexistência. Reconhecermo-nos pecadores não é algo que se adquira: é preciso já ter ocorrido uma grande «graça», uma revelação. Mas esta revelação só se torna operativa na medida em que aceitamos acolhê-la. A partir, então, deste «nada» que somos, Deus põe no mundo um ser novo, «justificado», justo como Deus é «justo». O publicano da parábola não dá graças como o fariseu, porque não encontra em si mesmo nada de bom, e porque está consciente de não ter acolhido o dom de Si mesmo que Deus lhe fazia. Ei-lo, pois, no caminho da justiça. Desconfiemos de nós mesmos, pois temos a tendência de nos explicar e justificar tudo o que fazemos. As verdadeiras razões podem muitas vezes se manter escondidas de nós, especialmente se não queremos vê-las. Temos a tendência de viver sob o regime dos pretextos. Tomar consciência disto nos coloca na situação do publicano: entreguemos isto para Deus e sairemos justificados. Mas vamos entender bem: esta justificação exige de nós uma mudança de programa. A parábola não diz nada a propósito do publicano, talvez porque a «conversão» é a consequência, não a causa, de uma justiça que vem somente de Deus.
Não julgar
O fariseu não muda: sequer pensa ter necessidade disto, posto que se considera justo. A frase importante está aqui: «Eu não sou como os outros homens». Não temos de duvidar da sua boa conduta, que, aliás, atribui a um dom de Deus, a quem dá graças. Tudo parece perfeito. Exceto por um detalhe: ele se permite julgar os outros. E, ao fazer isto, ocupa o lugar de Deus, que é o único juiz. Lugar de Deus? Claro, de um falso Deus, porque o julgamento de Deus não é a condenação, mas a justificação, por meio do perdão. Isto é o que se vai verificar a respeito do publicano. O fariseu exclui-se da semelhança com Deus e subtrai-se do Seu amor, porque se considera justo e despreza todos os outros, conforme diz o texto. Ora, Deus não despreza ninguém, mas assume para Si mesmo, em Cristo, os pecados dos homens. Existem comportamentos que, por certo, não temos de aprovar, como estes que o fariseu enumera e a respeito dos quais o Decálogo se manifesta. Mas uma coisa é criticar os comportamentos e, outra, fazer um julgamento sobre quem os pratica. O que sabemos nós da sua vida? Em que meio cresceram eles? Não sabemos o que faríamos se estivéssemos em seu lugar. Sem contar a tendência que temos, de esquecer facilmente os nossos comportamentos defeituosos ou de sempre encontrar desculpa para eles. Não vamos introduzir em nosso mundo o julgamento, pois senão corremos o risco de sermos nós mesmos suas primeiras vítimas. Aquele a quem rebaixamos na Cruz foi elevado acima de tudo. Voltemos, então, os olhos para Este a quem trespassamos; e para todos os que trespassamos.
Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)
A POSTURA JUSTA
Segundo Lucas, Jesus dirige a parábola do fariseu e do publicano a alguns que presumem ser justos diante de Deus e desprezam os outros. Os dois protagonistas que sobem ao templo para orar representam duas atitudes religiosas opostas e irreconciliáveis. Mas, qual é a postura justa e acertada diante de Deus? Esta é a pergunta de fundo.
O fariseu é um observador escrupuloso da lei e um praticante fiel de sua religião. Sente-se seguro no templo. Reza de pé e com a cabeça erguida. Sua oração é mais bem apresentada: uma oração de louvor e ação de graças a Deus. Mas não lhe dá graças pela sua grandeza, sua bondade ou misericórdia, mas pelo bom e grande que é ele mesmo.
Imediatamente se observa algo falso nesta oração. Mais que orar, este homem contempla-se a si mesmo. Narra-se a sua própria história cheia de méritos. Precisa sentir-se em ordem diante de Deus e exibir-se como superior aos demais.
Este homem não sabe o que é orar. Não reconhece a grandeza misteriosa de Deus nem confessa sua própria pequenez. Procurar Deus para enumerar diante dele nossas boas obras e desprezar os demais é néscio. Por trás de sua aparente piedade, esconde-se uma oração de “ateu”. Este homem não necessita de Deus. Não lhe pede nada. Basta-se a si mesmo.
A oração do publicano é muito diferente. Sabe que sua presença no templo é mal vista por todos. Seu trabalho de cobrador é odiado e desprezado. Não se desculpa. Reconhece que é pecador. Os seus golpes no peito e as poucas palavras que sussurra dizem tudo: “Oh Deus! tem compaixão deste pecador”.
Este homem sabe que não pode vangloriar-se. Não tem nada para oferecer a Deus, mas sim muito que receber dele: o Seu perdão e a sua misericórdia. Na sua oração há mais autenticidade. Este homem é pecador, mas está no caminho da verdade.
O fariseu não se encontrou com Deus. Este cobrador, pelo contrário, encontra em seguida a postura correta ante Ele: a atitude do que não tem nada e necessita de tudo. Não se detém sequer a confessar com detalhe as suas culpas. Reconhece-se pecador. Dessa consciência brota a sua oração: «Tem compaixão deste pecador».
Os dois sobem ao templo para orar, mas cada um leva no seu coração a sua imagem de Deus e o seu modo de relacionar-se com Ele. O fariseu continua enredado numa religião legalista: para Ele o importante é estar em ordem com Deus e ser mais observador que ninguém. O cobrador, pelo contrário, abre-se ao Deus do Amor que Jesus prega: aprendeu a viver do perdão, sem vangloriar-se de nada e sem condenar a ninguém.
José Antonio Pagola