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Honra ao pequeno
"Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade": a advertência do Eclesiástico faz eco à observação de Jesus sobre os convidados que escolhem o primeiro lugar. E realiza-se na Eucaristia, na qual Jesus, "o mediador de uma nova aliança", torna-se o nosso alimento, o pão e o vinho que fazem de nós o seu Corpo.
1ª leitura: “Deverás praticar a humildade e encontrarás graça diante do Senhor” (Eclesiástico 3,19-21.30-31)
Salmo: Sl 67(68) - R/ Com carinho preparastes uma mesa para o pobre.
2ª leitura: “Vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo” (Hebreus 12,18-19.22-24)
Evangelho: “Quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado” (Lucas 14,1.7-14)
O Mestre nos conduzirá ao nosso lugar
O evangelho de hoje compõe-se de duas partes: a primeira diz respeito aos convidados; a outra, a quem faz o convite. Nos dois casos, trata-se de uma refeição, do alimento, ou seja, da relação com a natureza, que nos alimenta, e da relação com os homens, com quem compartilhamos o pão (sinal de fraternidade, de unidade). Isto quando não nos batemos contra eles, para dele nos apoderarmos: comer ou não comer, esta é a questão. Pois é neste contexto fundamental que Jesus toma a palavra. Na primeira parte, trata-se, portanto, dos convidados. Este que se põe no primeiro lugar está literalmente deslocado: não está onde deveria estar. E o que vai tomar o último lugar, ele também está «deslocado». Conclusão: não nos cabe decidir sobre qual é o nosso lugar, nem nos preocuparmos com o nosso real valor ou com o nosso valor aos olhos dos outros. Devemos nos libertar desta preocupação e deixar para quem convida, para o Mestre, o cuidado de nos designar o lugar ou de nos deslocar. Isto supõe da nossa parte uma atitude de espera. Onde quer que estejamos, a nossa situação é provisória: somente na «vida eterna» é que encontraremos o nosso verdadeiro lugar. Não fiquemos a imaginar que Deus nos vá «elevar» no decorrer da nossa história. Nossa vida atual deve ser vivida sob o signo do serviço. Notemos que somente o que tomou o último lugar é quem se encontra enfim no lugar onde o mestre queria que estivesse. Para ficar bem entendido, temos de transportar tudo isso para o concreto da nossa existência, para as nossas relações com os outros. É preciso decidir: dominar ou servir? Mas questão não é assim tão simples, pois a vontade de dominar muitas vezes se esconde sob a máscara do serviço.
O lugar de quem serve
A primeira atitude característica do espírito de serviço, espírito que não é outro senão aquele do próprio Deus, é permitir que os outros sejam tais quais eles são: do jeitinho mesmo que a hereditariedade, a educação e as experiências de vida os constituíram. Cada um de nós é como que o ponto de convergência de todas estas contribuições exteriores que nos constroem, na medida em que as fazemos nossas. O que, aliás, pode vir a acontecer sem que nos demos conta. Temos, pois, de acolhê-las seja nos outros seja em nós mesmos. Isto dito, o espírito de serviço pode algumas vezes levar-nos a incitar alguém a uma mudança. Foi o que aconteceu com João Batista, quando repreendeu Herodes por seu adultério. Mas, para nós, isto supõe reflexão e aconselhamentos. E muita coragem: sabemos o quanto isto custou a João Batista. Como regra geral, trata-se antes de tudo de prestar um serviço, de ajudar a viver. Sabemos que só podemos nos chamar de discípulos de Cristo, não se esta for apenas uma preocupação entre outras, mas se a vontade de servir venha a ocupar o primeiro plano. É por aí que começamos a nos assemelhar com Deus e, portanto, a existir de verdade. Eis-nos aqui, de repente, no primeiro lugar, pois estamos nos fazendo um exatamente com quem veio ocupar o último lugar. Precisando melhor: já que em nossos textos a questão é o almoço, o alimento, podemos ver aí uma alusão à última Ceia de Cristo, que recapitula todas as outras refeições. Jesus toma aí o último lugar: faz-se o servidor que lava os pés dos convivas. Ele se dá a si mesmo em alimento. Na Cruz, ele toma lugar entre os culpados e rejeitados, e, finalmente, desceu «aos infernos», lugar mais baixo que a terra. Deus, por isso, lhe deu um Nome acima de todo nome, estabelecendo-o no primeiro lugar.
Quando convidares...
Depois de nos ter incluído entre os convidados, Jesus nos põe no lugar de quem convida. Este, a princípio, faz um bonito papel, e leva os convivas a se passarem para o rol dos devedores. Não deveriam eles responder imediatamente? Seria necessário, de fato, a fim de que os parceiros se encontrassem em igualdade de condições, livres em relação de uns para com os outros. Um convite sem reciprocidade cria uma espécie de vazio. Mas é o que Jesus nos pede, para cultivar este vazio, para convidarmos quem não pode retribuir. Através deste tema da refeição, se põe a questão de tudo o que faz viver, e da comunhão na mesa profética do «banquete do Reino», das núpcias do Cordeiro. Aí, de fato, somos convidados sem ter nada para dar em troca. Pois, Jesus nos convida a imitarmos a gratuidade do dom de Deus, a criarmos, portanto, este vazio de reconhecimento. É que não podemos dar nada que já não tenhamos recebido. Só fazemos transmitir. No entanto, o retorno à sua origem do dom que fazemos passar transita também por nós. E, quando este retorno não se produz, ficamos de qualquer forma em estado de falta, mesmo se não sentimos. Jesus diz que o equilíbrio será restabelecido «na ressurreição dos justos». É que dar sem esperança de retorno nos põe na mesma situação d’Aquele que tomou o lugar do servidor para dar sua vida. E esta vida que foi dada é que nos faz viver. Dar a quem nada tem não é pura generosidade, mas justiça, esta justiça que restabelece a igualdade entre nós.
Marcel Domergue, jesuíta (tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara)
Sem esperar nada em troca
Jesus é convidado a comer por um dos principais fariseus da região. Lucas nos indica que os fariseus não deixam de espiá-Lo. Jesus, no entanto, sente-se livre para criticar os convidados que procuram os primeiros lugares e, inclusive, para sugerir ao que o convidou a quem deve colocar à frente.
É esta interpelação ao anfitrião que nos deixa desconcertados. Com palavras claras e simples, Jesus lhes indica como devem atuar: “Não convides os teus amigos nem os teus irmãos nem os teus parentes nem os vizinhos ricos”. Mas, há algo mais legítimo e natural que estreitar laços com as pessoas que nos querem bem? Não fez Jesus o mesmo com Lázaro, Marta e Maria, seus amigos de Betânia?
Ao mesmo tempo, Jesus assinala em quem se deve pensar: “Convida os pobres, aleijados, mancos e cegos”. Os pobres não têm meios para corresponder ao convite. Dos aleijados, coxos e cegos, nada se pode esperar. Por isso, ninguém os convida. Não é isto algo normal e inevitável?
Jesus não rejeita o amor familiar nem as relações amistosas. O que não aceita é que elas sejam sempre as relações prioritárias, privilegiadas e exclusivas. Aos que entram na dinâmica do reino de Deus, procurando um mundo mais humano e fraterno, Jesus recorda que o acolhimento aos pobres e desamparados deve ser anterior às relações de interesse e aos convencionalismos sociais.
É possível viver de forma desinteressada? Pode-se amar sem esperar nada em troca? Estamos tão afastados do Espírito de Jesus que, por vezes, até a amizade e o amor familiar estão mediatizados pelo interesse. Não temos de nos enganar. O caminho da gratidão é quase sempre duro e difícil. É necessário aprender coisas como estas: dar sem esperar muito, perdoar sem exigir, ser mais paciente com as pessoas pouco agradáveis, ajudar pensando apenas no bem do outro.
Sempre é possível reduzir um pouco os nossos interesses, renunciar de vez em quando a pequenas vantagens, colocar alegria na vida do que vive necessitado, oferecer um pouco do nosso tempo sem reservá-lo sempre para nós, colaborar em pequenos serviços gratuitos. Jesus se atreve a dizer ao fariseu que o convidou: “Feliz de ti se não te podem retribuir”. Esta bem-aventurança ficou tão esquecida que muitos cristãos nunca ouviram falar dela. No entanto, contém uma mensagem muito querida para Jesus:
“Felizes os que vivem para o próximo sem receber recompensa. O Pai do céu os recompensará”.
José Antonio Pagola